“Mineroduto
em Viçosa! Impactos na UFV?” foi o tema da mesa debate que reuniu cerca de
500 estudantes, professores, servidores e moradores da cidade e comunidades atingidas.
O evento ocorreu no dia 14 de maio às 18:30, no auditório do prédio de
Engenharia Florestal da UFV. A mesa foi organizada pela Campanha pelas Águas e
Contra o Mineroduto da Ferrous e o PACAB (Projeto de Assessoria às Comunidades
Atingidas por Barragens e Mineração na Zona da Mata Mineira).
Como forma de antecipar as discussões da mesa, diversas
intervenções foram realizadas no campus da UFV. Uma delas foi a fixação de mais
de 100 placas com os dizeres “Faixa de servidão: Construção do mineroduto da
FERROUS”, o que chamou grande atenção e repercutiu em diversos questionamentos
pela comunidade acadêmica.
Os convidados da mesa foram: Rosilene Pires,
atingida pelo mineroduto na cidade de Paula Cândido e membro da Campanha pelas
Águas; Rafael Bastos, professor e chefe da Divisão de Água e Esgoto da UFV; e
Sânzio Borges, atual diretor presidente do SAAE. O estudante Luiz Paulo Guimarães,
representante da Campanha pelas Águas, iniciou e mediou o debate.
Com o auditório lotado, Luiz Paulo começou a mesa
perguntando quem já tinha ouvido falar sobre o mineroduto e queria compreender
melhor a situação. Embora a maioria tenha conhecimento do mineroduto, poucos
têm clareza dos impactos que o projeto pode gerar em nossa região.
Fotos e vídeos de minerodutos impactaram o público presente |
Composição da Mesa-Debate
Logo em seguida, foi realizada a composição da mesa.
A atingida Rosilene Pires sensibilizou o público relatando o tratamento dado às
comunidades pela Ferrous, em que uma série de direitos são violados. Segundo ela,
várias informações são omitidas ou distorcidas pela empresa. “O povo não tem direito
de escolha, a Ferrous impõe o projeto como certo e ameaça os atingidos com o
decreto de utilidade pública do mineroduto. E quando começamos a questionar,
somos ameaçados”, disse Rosilene. Ela concluiu lamentando que “enquanto
atingidos, vemos que não temos o diálogo com a empresa. A relação é de
desrespeito e ironia”. Rosilene ainda apontou como saída, a organização e a união
das comunidades atingidas para discutir o projeto e criar formas de
resistência.
Diretor Presidente do SAAE, Sanzio Broges e Prof. Rafael Bastos, enfáticos ao dizerem que a passagem do mineroduto não se sustenta em Viçosa |
Segundo o chefe da Divisão de Água e Esgoto da UFV, Rafael Bastos, devido à fragilidade do Ribeirão São Bartolomeu a universidade opera no limite necessário de abastecimento de água, e um empreendimento de grande porte como esse afetará diretamente as atividades no campus. Ele problematizou ainda a pressão exercida pela especulação imobiliária com a construção de condomínios e loteamentos na zona rural de Viçosa, fatores que agravam a situação do córrego. O especialista enfatizou que “vivemos um colapso em janeiro deste ano, e quase adiamos o começo das aulas por falta de água. Essa é a situação do manancial onde se quer passar o mineroduto”. O empreendimento põe em risco a sobrevivência de Viçosa, não só bem estar e conforto, concluiu.
Ficou constatado, portanto, que caso o mineroduto
seja instalado, o Ribeirão São Bartolomeu, que abastece 100% da UFV e metade da
cidade, será diretamente afetado. O diretor presidente e assessor técnico do SAAE,
Sânzio Borges e Marco Magalhães, respectivamente, expuseram o posicionamento da
autarquia contrário à passagem do mineroduto. Foram elaborados documentos
encaminhados à Ouvidora do Ministério Público Federal em 2012, em que o SAAE
declara priorizar políticas de prevenção e não de reparação de danos, já que a
água é um direito de todos e deve ser preservada. Nesse sentido, alguns
projetos de recuperação da bacia estão sendo implantados. Contudo, o mineroduto
pode acentuar os problemas de abastecimento e afetar toda a cidade. Além do São Bartolomeu, estão no trajeto do
mineroduto, o Rio Turvo Sujo, que abastece outra metade da cidade, e o Turvo
Limpo, válvula de escape da cidade onde o SAAE planeja construir a terceira estação
de tratamento de água.
Debate e participação do público
Debate e participação do público
Com o término da exposição dos convidados, a mesa
foi aberta para debate com o público presente. Marcelo Leles, professor do
Departamento de Economia Rural e coordenador do PACAB, reafirmou a necessidade
de ampliar esse debate. Apesar do PACAB trabalhar nisso há anos, o tema é pouco
difundido e não obtivemos o posicionamento claro da UFV. Segundo ele, “Somos
reconhecidos pelo metiê acadêmico, o que é muito importante. Mas infelizmente,
o campus não acordou ou simplesmente não quer acordar”.
O vereador Idelmino Silva também marcou presença no
evento. Para ele, as mobilizações da Campanha pelas Águas foram fundamentais na
tomada de posição contrária do SAAE e o mesmo deve ser feito na UFV. Ele
provocou o público dizendo: “Todos vocês, estudantes, são atingidos. A
comunidade universitária tem que fazer cobrança junto à reitoria. Temos que
colocar esse problema abertamente para os candidatos a reitor”. Para ele, a
discussão também tem que chegar à cidade, por meio de mais espaços de formação
de opinião a fim de dar publicidade e avançar na resistência contrária ao
mineroduto. O vereador lembrou que a prefeitura concedeu a autorização para
passagem do mineroduto e, mesmo com o SAAE posicionando contrário ao
mineroduto, o prefeito não teve ainda coragem de revogar a autorização.
Emerich de Sousa, atingido pelo mineroduto em Coimbra, colocou que a pergunta da mesa foi respondida: “Tem impacto na UFV, sim!”. Além disso, fez uma série de propostas para cobrarmos o posicionamento da UFV.
Muitos estudantes não tinham conhecimento da
gravidade da situação e manifestaram insatisfação em relação à postura de
negligência da administração da UFV frente à delicada situação e ao não
comparecimento ao evento, apesar de terem sido convidados. Muitos se sentiram
envergonhados com tamanho descaso e omissão, devido o respaldo que a UFV possui
por ser considerada uma das melhores universidades do Brasil e ter como
vice-reitor, Demetrius da Silva, especialista em recursos hídricos e que
recentemente tomou posse no conselho científico da Fundação Centro
Internacional de Educação, Capacitação e Pesquisa Aplicada em Águas
(UNESCO-HidroEx), como lembrou o estudante de biologia Rodrigo. “Alguma coisa
deve estar por trás para a reitoria não se posicionar, não é possível! Será que
ela ainda não entendeu que a sobrevivência da UFV depende disso?” questionou o
estudante.
Letícia Faria, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens enumerou uma série de direitos que são violados antes mesmo da construção do mineroduto, como direito à negociação, à informação correta e qualificada, ao trabalho, à saúde e acesso ao meio ambiente saudável. “As multinacionais levam nossas riquezas embora e deixam destruição, respaldadas pelos órgãos ambientais e o governo de Minas, que estão comprometidos com o empreendimento e não com o povo”. Ela completa “é um modelo colonialista, em que água, minério e energia viram mercadoria e não servem à soberania brasileira. Este projeto não nos serve, por isso estamos aqui”.
Por fim, Rafael Bastos salientou a falta de
planejamento que garanta a segurança hídrica de Viçosa, a necessidade de
discutir a sustentabilidade do campus para sairmos da crise e que a cidade e a
UFV precisam acordar para não ser tarde de mais. O diretor do SAAE se mostrou convicto
da inviabilidade do mineroduto na cidade e se colocou a disposição para participar
de novos eventos que ampliem a conscientização da população. E Rosilene Pires
reforçou a necessidade da organização popular e clamou a todos a dizer: “Por um
país soberano e sério, somos contra o saque dos minérios!”. Ficou evidente, a
necessidade de ampliar a discussão da água e debater o modelo de
desenvolvimento do país.
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Mesmo sem as vendas nos olhos e ouvidos, a UFV ainda mantém calada diante do problema |
O espaço foi finalizado com uma ação dos
participantes que concentraram as placas da Faixa de Servidão do Mineroduto em
frente ao prédio da reitoria, como forma de dar visibilidade à discussão e sensibilizar
a administração superior a se colocar em defesa da segurança hídrica e não
permitir que o mineroduto tenha prosseguimento.
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Participantes colocam placas na reitoria para sensibilizar administração a impedir esse desastre à UFV |